segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Comunhão de Bens







Olhos vítreos a encaravam do chão da sala de jantar. Aquele filho da puta cretino manchava todo o carpete com seu sangue imundo. Aquilo nunca sairia… Suspirou, exasperada, e expulsou aquela preocupação da mente. Sua vó costumava dizer que se preocupar demais após comer causa indigestão. Não queria isso. Mas que estava indignada por aquele desgraçado estar sujando seu precioso carpete, depois de ter lhe traído com mais uma daquelas vadias de esquina, não podia negar. Levara muito tempo para encontrar uma cor que combinasse com a parede…
De qualquer modo, talvez aquilo não fosse mais problema dela. Já escutava as sirenes se aproximando e sabia que eram para ela; não era paranoica… não muito. Mas sabia que os imprestáveis dos vizinhos haviam ligado, provavelmente temendo o pior depois que a “louca e desmiolada” socialite e seu respeitável marido advogado silenciaram-se após o homem gritar: “Você é louca?! Olha o que fez! Solta essa faca!”. Sim… tinha quase certeza que fora a última frase do marido que mais alertara aqueles filhos da puta invejosos e fuxiqueiros que eram seus vizinhos do andar de baixo. Um bando de vermes inúteis, os cinco que ali moravam. Ela nunca se intrometera em suas brigas familiares (e eram muitas); mas na dela, eles se julgaram no direito de chamar a polícia… Pois bem, pensou. Que assim seja. Os esperaria sentada, ali, na mesa de jantar, ao lado do pobre e finado marido.
Não sentia medo de ser presa. Tinha doutorado em Psicologia – não era uma dondoca como seus amados vizinhos supunham. Ia ficar bem. Na verdade, tudo o que sentia, era uma ponta de divertimento ao imaginar a cara dos policiais ao depararem-se com a cena do “crime”, ao verem que no peito, onde deveria estar um coração, só havia um buraco negro que vertia sangue como um vulcão expele lava. Talvez eles não descobrissem de primeira o que de fato havia acontecido – afinal, ela era uma dama da alta sociedade e sabia o quanto era deselegante ficar com o rosto lambuzado após uma refeição, mesmo que não tivesse ninguém por perto. Embora aquilo não fosse exatamente uma “refeição”… era muito mais que isso. Era uma comunhão.
Sim, uma comunhão. Pois, apesar do que parecia e do que muitos iriam dizer mais tarde, ela amava, sim, seu marido – amava tanto que chegava a odiá-lo por isso – e não suportou vê-lo com outras mulheres. Seu coração deveria ser dela, e somente dela. E era assim que seria agora, quisesse ele ou não. Ele havia lhe jurado diante do altar de Deus. Ela só estava pegando o que era seu de direito. Não queria dinheiro, apartamento ou uma pensão por mês, e nada dessas porcarias que se ganham num processo de divórcio; queria somente o seu coração.
Ouviu batidas fortes na porta e uma voz grossa do outro lado, intimando-a a abri-la em nome da Lei. Eles haviam chegado. Sorrindo cinicamente, levantou-se lentamente e com sua elegância de costume foi desfilando até a porta da frente, cantarolando o refrão de A Little Piece of Heaven, do Avanged Sevenfold, e que era, ironicamente, uma das músicas favoritas do marido…
--- “Você acha que acabou, mas acabou de começarMas, baby, não chore… Você tinha meu coração, pelo menos a maior parte do tempo…”.


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