Olhos vítreos a encaravam do chão
da sala de jantar. Aquele filho da puta cretino manchava todo o carpete com seu
sangue imundo. Aquilo nunca sairia… Suspirou, exasperada, e expulsou aquela
preocupação da mente. Sua vó costumava dizer que se preocupar demais após comer
causa indigestão. Não queria isso. Mas que estava indignada por aquele
desgraçado estar sujando seu precioso carpete, depois de ter lhe traído com
mais uma daquelas vadias de esquina, não podia negar. Levara muito tempo para
encontrar uma cor que combinasse com a parede…
De qualquer modo, talvez aquilo
não fosse mais problema dela. Já escutava as sirenes se aproximando e sabia que
eram para ela; não era paranoica… não muito. Mas sabia que os imprestáveis dos
vizinhos haviam ligado, provavelmente temendo o pior depois que a “louca e
desmiolada” socialite e seu respeitável marido advogado silenciaram-se após o
homem gritar: “Você é louca?! Olha o que fez! Solta essa faca!”. Sim… tinha
quase certeza que fora a última frase do marido que mais alertara aqueles
filhos da puta invejosos e fuxiqueiros que eram seus vizinhos do andar de
baixo. Um bando de vermes inúteis, os cinco que ali moravam. Ela nunca se
intrometera em suas brigas familiares (e eram muitas); mas na dela, eles se
julgaram no direito de chamar a polícia… Pois bem, pensou. Que assim seja. Os
esperaria sentada, ali, na mesa de jantar, ao lado do pobre e finado marido.
Não sentia medo de ser presa.
Tinha doutorado em Psicologia – não era uma dondoca como seus amados vizinhos supunham. Ia ficar bem.
Na verdade, tudo o que sentia, era uma ponta de divertimento ao imaginar a cara
dos policiais ao depararem-se com a cena do “crime”, ao verem que no peito,
onde deveria estar um coração, só havia um buraco negro que vertia sangue como
um vulcão expele lava. Talvez eles não descobrissem de primeira o que de fato
havia acontecido – afinal, ela era uma dama da alta sociedade e sabia o quanto
era deselegante ficar com o rosto lambuzado após uma refeição, mesmo que não
tivesse ninguém por perto. Embora aquilo não fosse exatamente uma “refeição”…
era muito mais que isso. Era uma comunhão.
Sim, uma comunhão. Pois, apesar
do que parecia e do que muitos iriam dizer mais tarde, ela amava, sim, seu marido – amava tanto que
chegava a odiá-lo por isso – e não suportou vê-lo com outras mulheres. Seu
coração deveria ser dela, e somente dela. E era assim que seria agora, quisesse
ele ou não. Ele havia lhe jurado diante do altar de Deus. Ela só estava pegando
o que era seu de direito. Não queria dinheiro, apartamento ou uma pensão por
mês, e nada dessas porcarias que se ganham num processo de divórcio; queria
somente o seu coração.
Ouviu batidas fortes na porta e
uma voz grossa do outro lado, intimando-a a abri-la em nome da Lei. Eles haviam
chegado. Sorrindo cinicamente, levantou-se lentamente e com sua elegância de
costume foi desfilando até a porta da frente, cantarolando o refrão de A Little
Piece of Heaven, do Avanged Sevenfold, e que era, ironicamente, uma das músicas
favoritas do marido…
--- “Você acha que acabou, mas acabou de começar…
Mas, baby, não chore… Você tinha meu
coração, pelo menos a maior parte do tempo…”.
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